sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

O mundo dá voltas, mas para no mesmo lugar


O dia 21 de outubro de 2015 chegou. Enquanto escrevo esse texto, Marty Mcfly está tentando impedir que seu filho vá para cadeia. Porém, o velho Biff não é bobo e zarpa com o DeLorean para 12 de novembro de 1955, e entrega a ele mesmo, no passado, um almanaque com todos os resultados de competições esportivas de 1950 à 2000. Bem, todos já sabem o enredo dessa estória e sabem também que o final é feliz como na maioria da ficção.
Agora, é possível voltar no tempo? E será que, assim como nas telas de cinema, podemos ter finais felizes?
Bom, até agora, o único Delorean que conheço é a leitura. Sim, com livros, revistas e jornais antigos, podemos sim, por alguns instantes, voltar no tempo. Agora, se no futuro vamos ter finais felizes, aí, não sou mãe Dinah para prever.
Uma notinha me chamou a atenção enquanto folheava uma edição do jornal “O São Gonçalo” de 29 de outubro de 1992. Falava sobre a expansão da Igreja Universal do Reino de Deus, passando os limites do território nacional. Assim era a nota com o título de Dízimo Suíço:
“O “bispo” Macedo, não conformado com o dizimo brasileiro, fundou uma sede de sua igreja em Genebra, Suíça, e de lá vem periodicamente um emissário trazendo 50 mil dólares, que é o dízimo das devotas de lá. Lembrando ainda que em sua maioria elas são empregadas domésticas brasileiras que ganham em torno de 15 mil francos, o que equivale a cerca de 15 salários mínimos brasileiros. Deste jeito, a grande onda vai ser fundar novas igrejas pelo mundo.” (O São Gonçalo, 29/11/1992)


Nota do “O São Gonçalo”, 29/11/1992

A sede na Suíça, país que tem fama de paraíso fiscal, foi a primeira das mais de 200 no exterior e 6.500 no Brasil. A Igreja Universal foi fundada em 9 de julho de 1977, por Edir Macedo e seu cunhado, Romildo Ribeiro Soares, o R. R. Soares, que por desentendimentos na administração da igreja, picou a mula e fundou a Igreja Internacional da Graça de Deus. As primeiras reuniões da Universal foram no coreto do Jardim do Méier. Depois, num espaço alugado de uma funerária. Hoje, aos 70 anos, Edir Macedo conta com uma fortuna de mais de 1,2 bilhões de dólares, de acordo com a revista Forbes. Em 1989, adquiriu a Rede Record de Televisão por 45 milhões de dólares.
Reuniões da IURD no Jardim do Méier
Pois é, 23 anos se passaram após essa pequena notinha do Jornal O São Gonçalo e novamente a Igreja Universal passeia pelas páginas dos jornais locais quando anunciou recentemente a compra da i9 Music  por míseros 30 milhões de reais. Isso comprova que o mundo dá voltas, e para no mesmo lugar. Pelo menos para Edir Macedo que não precisa de DeLorean e nem de almanaque com resultados esportivos para continuar enriquecendo. Ou será que, enquanto pregava na Praça do Méier, algum viajante do passado lhe mostrou a fórmula do enriquecimento? Será?
Publicado no Sim São Gonçalo em 21 de outubro de 2015.

sábado, 15 de dezembro de 2018

O Bom Velhinho no Hospital das Freiras

Foto de Matheus Graciano (Sim São Gonçalo)
O espírito natalino já chega desde o primeiro dia. A cada dia que se aproxima do dia 24, fica mais fervoroso. Basta olhar para os lados e se deparar com árvores de Natal, guirlandas, presépios, estrelas natalinas, Papais Noéis de todos os tipos e tamanhos. À noite, a lembrança de que estamos no mês do Natal fica por conta dos zilhões de pisca-piscas que enfeitam a cidade.

De onde sai tantos enfeites natalinos MADE IN CHINA espalhados pela cidade?

Não precisa nem pensar muito na resposta. Existem muitos mercados populares espalhados pela cidade. E nada se compara a Alcântara. Em qualquer mês do ano o lugar já é um caldeirão de gente saindo pelo ladrão. Em dezembro a coisa piora e só os fortes sobrevivem. Até mesmo o bom velhinho, acostumado com a correria de Natal, não aguentou o tumulto e piripaqueou na famosa rua da feira.
Eu até gosto de andar por Alcântara. Gosto de gente, mas como no comercial de cerveja que me lembra de beber com moderação, é isso que faço quando chega nessa data. Mas tem horas que não podemos escapar de uma visita forçada. Aí não tem jeito, temos que respirar os ares do Alcântara.
Por sinal, dependendo da hora e do lugar, não são nada agradáveis. Atire a primeira pedra, quem nunca sentiu o cheiro de podre na Estrada Raul Veiga entre o Extra e o Supermarket?
Foi em uma dessas minhas visitas forçadas que tive uma experiência bem inusitada.

Quando Papai Noel quase infartou

O sol torrava tanto a cabeça que me sentia um peru de Natal, só esperando ser servido. Nem mesmo a sombra do viaduto de Alcântara aliviava o calorão. Enfim, tinha que cumprir a missão. Lá fui, em direção à rua da feira, mas sem antes dar aquela espiadela para ver que horas eram no prédio de relógio.
Faltava pouco para as 13 horas no horário de verão. Gente para todo lado. Com cuidado, vou me esquivando de um e de outro. No meio do falatório irreconhecível, um som quase rompe meus tímpanos. – “Chip da “Craro”, da Tim, da Vivo, e da Oooiii.” – Quando consigo fugir da bendita gordinha berradeira, já vem um me empurrando um papelzinho. Penso comigo mesmo em não pegá-lo, mas quando fixo os olhos no sujeito, a cara de poucos amigos me faz mudar de ideia. Pra mostrar que sou educado, dou aquela espiadela no papel que dizia em letras garrafas “Compro Ouro”. Eu não tenho, mas mesmo que tivesse não seria para ele que venderia.
Poucos passos adiante, vejo uma aglomeração de gente formando um círculo. Embora, aglomeração de gente em Alcântara seja de fato um pleonasmo, era uma roda de pessoas falando alto alguns com expressões de desespero. Chego perto e consigo ver entre as pernas daquele muro humano  um saco vermelho bem chamativo. Curioso, levantando a cabeça entre a multidão para tentar ver o que estava no interior do círculo pergunto o rapaz do meu lado.
– O que esta acontecendo aqui?
– O Papai Noel esta no chão desacordado.
– Caiu do trenó?
Ele olhou com uma cara que, nitidamente, percebi que não gostou da minha piadinha.
Também não era hora desse tipo de piada. Então, como alguém que quer se redimir, afasto um e outro com os braços e chego ao meio da roda. O que vejo é o bom velhinho apagadão no meio da roda e uma senhora que se dizia ter curso de enfermagem o abanando tanto que, se a barba não fosse de verdade, já teria o voado do rosto.
– Você sabe onde é o Hospital das Freiras?
A mulher nem me deu tempo de respirar.
– Sim, sei sim.
-Ótimo, me ajuda a levar esse senhor para lá?
– Claro!
Eu não podia dizer não para o Papai Noel.
Paramos o primeiro carro que passava por perto, a mulher sentou no banco de trás. Eu e mais um delicadamente acomodamos o barbudo de uma forma que as pernas dela o servissem como travesseiro.
– E o saco? – Ainda fora do carro perguntei para mulher.
– Que saco?
-Dele!
– Pega logo esse saco e entra no carro! Não temos tempo a perder.
Sentei no banco do carona e com o saco na mão dei as coordenadas.
– Toca para o Hospital das Freiras. Fica na Estrada do Pacheco ali na Lagoinha.
Tivemos sorte de não pegamos a Raul Veiga no horário do rush e chegamos bem rapidinho ao hospital.
Rapidamente, uma equipe do hospital tirou o barbudo do carro. Colocaram-no em uma maca e correram para dentro do hospital. A mulher que nos acompanhava sumiu junto com o paciente. Então, só me restou esperar notícias do bom velhinho com o saco vermelho na mão.

Sobre o Hospital das Freiras do Lagoinha

Na sala de espera, uma imagem grande de Nossa Senhora das Graças me chama a atenção. Caminho devagar até ela e fico admirando. Viajo no tempo para entender o nascimento daquele hospital tão importante para cidade de São Gonçalo.

Imagem da lagoa que deu origem ao bairro da Lagoinha, São Gonçalo-RJ. Fonte: Livro da irmandade Sagrado Coração de Jesus.

Era de interesse da Madre Superiora, Maria Antonieta, adquirir um terreno em um ambiente adequado para um convento aqui em São Gonçalo. Então surgiu a oportunidade de comprar o Sitio Lagoinha, na Estrada do Pacheco, 24, em Alcântara, o 2º distrito de São Gonçalo. Este sítio media aproximadamente 72.000 metros quadrados. Em sua entrada, uma bela pequena lagoa, que mais tarde acabou dando o nome ao bairro.
Então, a licença para a compra do sítio saiu pelo Cardeal-Arcebispo D. Jaime de Barros Câmara, no valor de Cr$ 1.100.000,00 (Um milhão e cem mil cruzeiros). Já no dia 23 de fevereiro de 1955, as irmãs instalam-se na casa de residência do sítio.

Imagens da construção. Fonte: Livro da irmandade Sagrado Coração de Jesus

Logo foi chamada de Casa Nossa Senhora das Graças pois, para sua aquisição, foi escrita uma carta a um grande incentivador à devoção em Nossa Senhora, o padre Antônio Ribeiro, com o título “das Graças”. Cinco dias depois de se instalarem, já foi celebrada a primeira missa em uma capelinha, propositalmente preparada pelo então responsável pela paróquia de Alcântara, o padre Érico Wort. A capelania da casa foi entregue aos Missionários do Sagrado Coração de Jesus.

Fonte: Livro da irmandade Sagrado Coração de Jesus

Em 2 de dezembro de 1955, começou a funcionar o Serviço Maternal e Infantil, um ambulatório visando dar assistência médica, religiosa e social às mães pobres e seus filhos. Com a grande quantidade de atendimento foi preciso construir um novo ambulatório e uma maternidade. O serviço encerrou suas atividades no ano de 1974. Em seu lugar, surgiu o Hospital Franciscano Nossa Senhora das Graças.

Voltando ao Papai Noel…

– O senhor esta esperando notícias do Senhor Sebastião? – Uma jovem freira alta com um sorriso gentil interrompe meus pensamentos.
– Sebastião? Indago sem saber quem é.
– Sim. O senhor Sebastião é o nome do Papai Noel que foi hospitalizado.
– Como a senhora sabe que estou esperando notícias dele?
Ela não fala nada, apenas inclina um pouco a cabeça e fixa os olhos em direção ao saco vermelho que eu segurava nas mãos.
– Ah, sim. Sou eu mesmo. Me chamo Alex. E como ele está?
– Está ótimo, foi apenas um susto que pregou em todos nós. Ele faz questão de falar com você e é por isso que vim até aqui para avisa-lo. Dentro de 5 minutos ele terá alta médica. Enquanto aguarda fique na excelente companhia de Nossa Senhora.
– Muito obrigado.
Enquanto a freira se afastava, me viro para a imagem de Nossa Senhora e, novamente, recomeço de onde parei na minha viagem ao tempo.

Capela. Fonte: Livro da irmandade Sagrado Coração de Jesus

Não ficou apenas no convento e no hospital das freiras. As irmãs franciscanas criaram em 1964, a Escola da Casa Nossa Senhora das Graças, pelo insistente pedido da Irmã Maria Lúcia. No inicio, apenas o curso de alfabetização. Depois, jardim de infância. Em 1986, foi reconhecida pelo MEC oficialmente como Escola Nossa Senhora das Graças de 1º a 4º série. Hoje o colégio também é conhecido popularmente como o “colégio das freiras”, com ensino até o 9º ano do fundamental.
Em 20 de dezembro de 1970, foi inaugurada a nova casa com a sua belíssima capela no estilo modernista.
-Então o senhor é responsável por salvar o Natal?
Já não estava mais caracterizado, mas era o mesmo barbudo e sem o traje aparentava ter uns 60 anos de idade.
-Eu? Não fiz nada.
-Claro que fez. Você e dona Isabel salvaram o meu Natal quando me tiraram de Alcântara e me trouxeram ao hospital das freiras. O médico disse que se demorasse mais um pouquinho eu não comeria rabanada esse ano.
– O mais importante que agora o senhor esta bem.
Sebastião me explicou que fazia um bico de Papai Noel para melhorar o orçamento doméstico, já que seu salário de aposentado não é muito, e com esse dinheirinho a mais poderia ajudar a sua família a ter um Natal melhor. Se pudesse, daria um Tablet para sua netinha de 13 anos.
Ficamos conversando por horas. Antes de me despedir, lhe entreguei o saco que guardei com sete chaves. Sebastião me deu um abraço que valerá por qualquer presente de Natal que pudesse ganhar.
Sebastião pode não ter cumprido a missão de ajudar a família com a renda extra de Papai Noel. Pode não ter dado o presente de Natal que esperava para sua neta. Mas o maior presente que ele poderia dar é estar vivo. E isso ele conseguiu dar à sua família nesse Natal.
Sim, Sebastião é um bom velhinho.
FELIZ NATAL PARA TODOS!
Curiosidades
1. O bairro de Alcântara homenageia o imperador brasileiro Dom Pedro de Alcântara (D. Pedro II).
2. Em 1984, políticos locais e o jornal “O Alcântara” se mobilizaram para a realização de um plebiscito, que tramitou pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e se concretizou em 1995. Não houve êxito, pois, apesar de uma votação expressiva a favor da emancipação, esmagadora parte dos eleitores da região interessada não compareceu às urnas.
3. Nos anos 70 houve doações para o Hospital das Freiras. O Arcebispo de Niterói doou 1 aparelho de Raio X e 1 gabinete dentário.
4. Com auxílio da MEMISA (Holanda) foram adquiridos 1 mesa cirúrgica, 1 autoclave, 1 lâmpada de teto com 5 focos, 1 lâmpada auxiliar, armários e instrumental cirúrgico.
5. Durante a construção da Casa Nossa Senhora das Graças um fiel a causa doou uma geladeira, uma vaca Jersey e uma imagem de Nossa Senhora das Graças que foi instalada no meio da lagoinha e hoje esta na entrada do terreno do hospital das freiras.
FONTES 

1. Livro da irmandade Sagrado Coração de Jesus.
Texto publicado em 24 de dezembro de 2014 no Sim São Gonçalo.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

São Gonçalo, Cidade de Consciência


Neste dia 22 de novembro comemoramos o Dia da Consciência Negra. Um dia em que dedicamos a reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. Segundo o ultimo Censo, São Gonçalo é uma cidades de negros e pardos, são quase 56%  de toda população gonçalense.

Com muito orgulho somos uma cidade de negros e gostaria de homenagear cada um deles que contribuem com a cultura gonçalense falando de um que elevou o nome da cidade para o Brasil e para o mundo. 

Altay Veloso da Silva, esse apaixonado pela cultura negra nasceu aqui em São Gonçalo em 26 de fevereiro de 1951. Filho de jongueiro e sacerdotisa de culto africano, começou  com 17 anos a estudar violão e acordeão, influenciado também pelo avô acordeonista. Aos 21 anos fazia sua primeira composição onde lhe rendeu integrar algumas das bandas mais prestigiadas do Rio de Janeiro. Altay tem quase 500 composições gravadas por nomes como Roberto Carlos, Nana Caymmi, Elymar Santos entre outros. Na visita de Nelson Mandela ao Brasil, cantou com Alcione sua composição “Sintonia da Paz”, feita para o líder Sul-Africano.  Altay, também escreveu a obra literária “Alabê de Jerusalém” que conta a história do africano Ogundana, que é alabê, o responsável por zelar pelos instrumentos musicais da tribo. Após peregrinar pela Africa e Europa, casa-se com Judith, prima de Maria Madalena, em Israel. A obra foi transformada em opera com 32 bailarinos, 18 cantores e 10 técnicos de som, foi encenada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e teve o próprio Altay como Alabê.



Então parabéns a todos os negros, pardos, brancos, índios que se misturam e vivem na nossa terra com respeito e sem nenhum preconceito. Nossa gente não tem só consciência negra.

NOSSA GENTE TEM CONSCIÊNCIA! 

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Minha homenagem às instituições e pessoas que lutam pela cultura negra no nosso município.

NEGOA – Negros Gonçalenses em Ação
Negoa surgiu com o objetivo de resgatar a identidade étnica, cultural e a auto-estima do povo negro (afro-descendente).

Mãe Márcia de Oxum
Uma respeitada sacerdotisa que orgulhosamente luta com toda sua força em defesa do candomblé em São Gonçalo.

Liga Gonçalense de Capoeira

A Liga Gonçalense de Capoeira é uma entidade de direito privado, com fins não econômicos e tem como objetivo organizar, desenvolver e profissionalizar as ações dos capoeiristas da cidade de São Gonçalo, no Estado do Rio de Janeiro.
Fundada em 18 de abril de 1994, neste ano a Liga Gonçalense de Capoeira está completando 18 anos.

Publicado no blog do Vovozinho em 20 de novembro de 2014.

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

VIVA LUZIA, VIVA A HISTÓRIA!


Hoje acordei chorando, com aquela sensação de mal-estar no peito. Triste como se tivesse perdido um ente querido.

Aí me dei conta que realmente perdi, e aquela tristeza não foi nenhum resultado de um pesadelo noturno. Foi por causa de Luzia, acordei sem ela hoje, ou melhor, acordamos todos sem ela. Perdi minha referência como ser humano.

Lembro de que ontem por volta das vinte e duas encontrei minha filha aos prantos.

-Que foi filha? Por que choras?

-É a Luzia, pai. Choro por ela.

Então imediatamente enxugo minhas lágrimas e com a determinação de um soldado na frente de batalha que almeja uma guerra vencida. Vou à luta nessa segunda de luto.

Perdemos Luzia, perdemos a história, perdemos tudo...Mas lembro do choro de minha filha, e com esse choro sei que novas gerações manterão viva a memória da nossa história.

Vamos começar tudo novamente por mais dois, três, cinco séculos se for preciso.

A Luzia, se foi, mas nós seus descendentes, estamos vivos e precisamos perpetuar a história.

VIVA LUZIA, VIVA A HISTÓRIA!

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Domingo no Parque – Tivoli Park


Toda criança é apaixonada por um parque de diversão. Eu não fui diferente, até um período da minha infância.

Foi num domingo do ano de 1985, eu com 13 aninhos. Embora fosse uma criança desde pequeno sempre tive um biotipo avantajado para os padrões de um menino da minha idade. Bom, vamos ser sincero, gordinho. Tá bom, vamos ser mais sincero ainda, GORDO. Assim como eu era apelidado entre meus amigos de infância, e era esse apelido que muitas vezes deixava minha avó fula da vida quando um desses amiguinhos me gritava na porta de casa para sair para brincar:  -GORDO !

- ELE É GORDO PORQUE ALMOÇA E JANTA ! Gritava dona Olívia da cozinha, com a colher de pau na mão onde na maioria das vezes estava  preparando o rango para o jantar.

Para piorar, a genética também não ajuda. Como um legitimo descendente de alemão sempre fui grandão. Só para constar, no jardim de infância, sabe  aquela fila indiana que nos colocam um atrás do outro com mãozinha no ombro sempre do menor para o maior? Eu era sempre o ultimo da fila. Mas você deve estar se perguntando o porquê dessa minha narrativa que é um bulling de mim mesmo. Bom, vocês entenderão no decorrer do texto.

Vamos voltar naquele domingo de 1985 onde amarradão assistia  o programa Domingo no Parque do Silvio Santos. Era aquele programa que trancavam a criança em uma cabine em formato de foguete, colocavam um fone de ouvido na pobrezinha e ela tinha que dizer sim ou não quando acendia a luz vermelha. Enquanto isso o Silvio fazia troca-troca dos prêmios. E era cada uma. “Você quer trocar um carro zero quilômetro por uma caixinha de fósforo?”. Eu naquela adrenalina do programa, fui interrompido pela minha mãe me perguntando seu gostaria ir ao Tivoli Park.  “-SIM!”, soltando um grito como se tivesse no programa do Silvio. Talquinho no sovaco e gel no cabelo fui eu com minha família à sensação dos anos 80.

Silvio coloca sua filha Daniela para participar do programa

O parque foi criado pelo já famoso empresário circense, Orlando Orfei em 1972 que não economizou para trazer  brinquedos de ultima geração para o terreno cedido pelo então governador do Estado da Guanabara, Chagas Freitas. Esse terreno ficava as margens da Lagoa Rodrigo de Freitas onde hoje se encontra o Parque dos Patins. O nome foi inspirado no segundo parque mais antigo do mundo, Parque Tivoli, em Copenhage, capital da Dinamarca. Inaugurado em 1843 por concessão do Rei da Dinamarca Cristiano VIII para Georg Carstensen que convenceu o monarca usando uma bela justificativa. “Quando as pessoas estão se divertindo, elas não estão pensando em política”.

Tivoli Park na Dinamarca

Mas voltando ao domingão, logo que minha mãe estacionou o chevetinho SL 80 vermelho abri a porta e corri para fila da bilheteria que estava gigantesca. Meu pai com meu irmão no colo só soltou um “calma garoto”.   

Assim que passamos o portão de entrada vi que não era só a fila da bilheteria da entrada que era gigantesca, mas cada brinquedo tinha uma fila  que dava volta no quarteirão. Com certeza quem estava disposto a ter minutos de diversão tinha que penar por horas na fila.

Logo que entrei no parque o brinquedo que me chamou a atenção não foi a famosa Montanha Russa Espacial, aquela que dava um duplo salto mortal em piruetas. Me  enjoa só de imaginar. Foi logo ali na entrada mesmo, que meus olhos brilharam quando avistaram um brinquedo com varias lanchas de cores diferentes que boiavam e giravam em circulo  como um carrossel dentro de uma piscina circular.   

Comercial do Tivoli com ênfase na Montanha Russa Espacial (1983)

Então eu e minha mãe nos posicionamos na fila e cada passo me imaginava pilotando minha lancha sobre as ondas do oceano.

Foram mais ou menos 30 minutos na fila de espera até que chegou a hora. Cada lancha comportava duas crianças, então teria companhia na minha aventura.  A lancha comportava duas crianças, mas não uma “criançona”. Assim que me viu o operador do brinquedo fez um gesto com a mão negando a minha entrada e falou:

- Não posso colocar você na lancha, pois você é muito grande.

Minha mãe comprou logo a briga. Sabe como é mãe, está sempre aposta para defender seu filho.

 - Como assim! Meu filho vai sim entrar nessa @$#@$@ (ela adorava um palavrão )

-Não pode senhora, olha o tamanho do seu filho.

- Claro que pode, meu filho tem treze anos e a placa do brinquedo limita a idade para quinze anos. Esbraveja ela enquanto anda e gesticula em direção à placa de instrução do brinquedo.

Essa discussão já durava mais de 20 minutos com o brinquedo parado. Olho ao redor e o que vejo é aquela plateia e alguns até dando pitaco: “- Deixa o gordinho brincar.” Eu queria abrir um buraco na terra como avestruz e colocar minha cabeça dentro.

-Mãe, deixa pra lá. Não quero mais ir no brinquedo.

- Haaaaaá, você vai sim! Agora a briga é comigo. Quero falar com o diretor do parque.

Então um segurança que só acompanhava o bate papo caloroso pediu que o acompanhássemos, pois nos levaria ao diretor.

Ao entrarmos em uma ampla sala com três mesas em cada canto, uma das mesas se destacava e lá um senhor sexagenário com um pequeno topete dourado que não escondia os fios de cabelos brancos e uma costeleta que se destacava nos atendeu. Com um sotaque italiano e uma voz calma o senhor  abriu o dialogo com a minha mãe.

- Boa tarde, me chamo Orlando Orfei e sou o responsável pelo parque. Em que posso ajudar?

Naquela época não sabia, mas estávamos diante de um mito. Orlando Orfei nasceu em 8 de julho de 1920 na Itália, Foi um dos maiores empresários circenses e adotou definitivamente o Brasil como moradia no fim da década de 60 quando veio participar do Festival Mundial do Circo no Maracanãzinho.  Alem de empresário, foi pintor, escritor, dublê e ator de cinema, mas sem dúvida o que ele mais gostou foi ser domador de leões. Orfei recebeu várias condecorações e foi recebido por 4 Papas. Faleceu aos 94 anos no primeiro dia do mês de agosto de 2015 no município de Duque de Caxias onde morava.

Orlando Orfei (08/07/1920 - 01/08/2015)

- Olha só senhor Orfeu...

- É Orfei senhora.  Cortou ele antes que a minha mãe prosseguisse. E ali, fiquei sabendo que nem ela tinha ideia de quem era aquele homem.

- Olha aqui senhor Orfei, a gente enfrente uma fila do @$@#@$ (acho que já falei que minha mãe adorava um palavrão) e quando chega na hora do meu menino brincar ele é barrado pelo seu funcionário! Isso é uma sacanagem. Balbucia minha mãe vermelha de raiva.

- Calma senhora, vamos resolver o seu problema. Sente-se por favor. Quer um cafezinho? Foi passado agora mesmo. Está ótimo. E com toda tranquilidade do mundo, Orfei começava a utilizar sua técnica de domador, pois diante dele a minha mãe era mesmo uma leoa protegendo a sua prole.  

E continuou...

- Que garotão bonito que a senhora tem. Quantos anos você tem garoto?

- 13. Respondi sem muitas palavras.

- A senhora já deve ter uma lista grande de pretendentes a nora.

Orfei já ganhava a simpatia de minha mãe. Qual é a mãe que não gosta de ter seu filho elogiado. Afinal, toda mãe é coruja. Por mais feio que ele seja, pra ela é sempre um Kauã Reymond.

- Ele é lindo mesmo. Disse ela com o rosto ainda vermelho, mas não mais de raiva.

- Olha só, vamos fazer o seguinte. Seu filho vai poder sim andar no brinquedo, porem vamos coloca-lo sozinho sem a companhia de outra criança e no meio para equilibrar o peso. Assim não terá perigo de seu filho se molhar. Falou Orfei com o sorriso no rosto.     
- Tá bom. Foram as únicas palavras que minha mãe pronunciou.

-Vou pedir para o Sérgio, o nosso segurança que trouxe vocês, acompanha-los até o brinquedo e passar para o operador como proceder.

E assim foi feito, após nos despedir do dono do parque fomos levados até o brinquedo e assim que o segurança passou as ordens vinda do QG do parque pelo próprio general, minha mãe não conseguiu conter aquela cara de ganhei a guerra. Mas, enquanto minha mãe comemorava eu cumpria apenas a obrigação de sentar e ali ficar rodando sem mais emoções. Torcendo para que fosse o mais breve possível. Não existia mais  aquela fantasia de navegar pelo oceano. Era só eu parado e sentado no meio daquela lanchinha verde que rodava, rodava, e rodava.

- Acena pra mamãe. Insistia ela.

Ainda bem que naquela época não existia telefone celular com câmera e muito menos Facebook, pois tenho certeza que meu mico se eternizaria. Hoje escrevendo esse texto lembro-me daquele momento como a recomendação do capitão dos Pinguins no filme de Madagascar. Apenas sorria e acene. Mas sorrir era demais então apenas acenei.


Assim como no programa Domingo no Parque do Silvio Santos, tudo na nossa vida é questão de escolha. É um SIM ou um NÃO. Mesmo que não consigamos enxergar qual o prêmio que a vida nos reserva. Então, se pudesse voltar no tempo enquanto fantasiava-me na cabine do foguete do programa do Silvio eu teria gritado “–NÃO!” quando a luz vermelha acendeu através do convite de minha mãe.