domingo, 26 de julho de 2015

Peixe é o Melhor Remédio



Sabe aqueles dias que você acorda sem disposição para nada. Parece que tomou uma surra e não aguenta nem levantar da cama?

Geralmente acontece aos sábados pra mim, depois de uma sexta-feira bem aproveitada enchendo a cara com os amigos do trabalho. Bate na cama e dorme até lembrar que tem que acordar.

Sim, era um sábado daqueles... E quem disse que eu acordava? Abri apenas um olho por causa da preguiça e fixei-o no relógio da cabeceira da cama. Nossa, eram onze e meia e, então, tinha que sair da inércia. Nem sei como, mas com muito esforço consegui me despedir da minha amiga cama e aproveitando à disposição repentina me coloquei debaixo do chuveiro gelado. Ai como dói!

É, melhorei um pouquinho, mas não justificava ter que ir a cozinha uma hora daquelas. É meus amigos, para aumentar meu pesadelo, em alguns sábados sou o chefe de cozinha para todos aqui em casa. Esse sábado estava escalado, mas esse não ia rolar. Não ia rolar mesmo!

Peguei minha esposa e minha filha e no carro decidimos “democraticamente” qual seria o menu e onde iríamos. É claro que minha esposa tem peso dois e assim foi decretado. Peixe!

- Mas onde?
- Amor, que tal Mercado São Pedro?
- Mas tem restaurante lá?

Então ajustei o GPS para Rua Visconde do Rio Branco, 55, Pontal da Areia e fomos nós.

A imagem de São Pedro no interior do mercado. Foto: Gabriel de Paiva/19-11-2008. link

Logo na entrada fomos recebidos por uma imagem de São Pedro, mas nem houve necessidade de pegar a chave da casa com ele, as portas já estavam abertas e já estávamos bem à vontade.

Passando por São Pedro nos deparamos com várias peixarias e uma combinação de cores que jamais imaginaria que o mar pudesse nos oferecer. O detalhe que não tinha aquele cheiro forte e enjoativo de peixe. Tudo muito limpo. 

- Quer um namorado freguesa?

Antes que enfiasse a mão no focinho do vendedor por cantar a minha mulher. Entrei na brincadeira e agi com naturalidade. Em pouco tempo já estava Íntimo do peixeiro e não perdi a oportunidade para perguntar qual o peixe que era bom para curar ressaca.

O peixeiro passou a mão no jaleco levantou o ombro e com uma postura de doutor na mesa de operação respondeu.

- Peixe é o melhor remédio. Se bebeu demais amigo, te recomendo. O peixe ajuda a repor uma série de minerais que o corpo perde quando tem contato com o álcool.

Quem sou eu para duvidar. Só espero que ele aceite Unimed.

Ainda fiquei uns 15 minutos conversando com o Doctor Fish, o tempo suficiente para ele me convencer a levar 1 quilo de linguado, pois não tinha espinha. Sugeriu que eu e minha família subíssemos até o segundo andar para desfrutar dessa iguaria feita na hora.

Pois bem, subimos as escadas e sentamos a uma mesa de madeira e enquanto esperávamos nosso almoço entre uma conversa e outra comecei a viajar pela história daquele lugar.

Antigo Mercado de Peixe São Pedro, Rua Visconde do Rio Branco, Centro, Niterói, palafitas, 1970, A/D
Antes mesmo de ser inaugurado em 29 de junho de 1971 o Mercado de São Pedro já existia desde metade do século XIX. O novo mercado veio substituir o conjunto de barracas e palafitas que avançavam as águas da Baia de Guanabara sobre um cais flutuante na antiga Rua da Praia, hoje Visconde do Rio Branco, centro, mais ou menos onde hoje é o terminal João Goulart.

Quase todos os barraqueiros eram católicos e era comum nos anos 60 realizarem uma grande festa no mês de junho para São Pedro, padroeiro dos pescadores. E assim o santo deu o nome ao mercado.

            Mas, em 1970 saiu do papel o plano de aterro da Praia Grande, concebido desde 1940 através de um decreto-lei assinado por Getúlio Vargas autorizando a prefeitura a executar um plano de urbanização e remodelação da cidade permitindo o aterro da faixa litorânea compreendida entre a Ponta da Armação (bairro da Ponta da Areia) e a Praia das Flechas, no Ingá. Então foi no governo de Raimundo Padilha que são iniciadas as obras do aterro a cargo da recente criada Companhia de Desenvolvimento e Urbanismo do Estado do Rio de Janeiro que se utilizou do desmonte do Morro de Gragoatá para fornecimento de terra para os aterros.

Vista frontal do antigo Mercado de Peixe São Pedro, Rua Visconde do Rio Branco, Centro, Niterói, palafitas, 1970, A/D
            E assim o velho mercado de palafitas e barracas não poderia mais ficar ali e tinha que encontrar um lugar para a sobrevivência dos barraqueiros. O próprio governo do estado decidiu transferi-lo para um galpão no Ceasa, no Barreto, e por ficar muito longe do mar os barraqueiros não aceitaram a transferência.


Corredores do Antigo Mercado de Peixe São Pedro, Rua Visconde do Rio Branco, Centro, Niterói, palafitas, 1970, A/D

            Unidos criaram a cooperativa “Comercial São Pedro” com aproximadamente 48 barraqueiros conseguiram juntar uma quantia em dinheiro para comprar um terreno nas proximidades do antigo mercado já que ali havia a colônia de pescadores responsável pelo abastecimento do mercado.

            Hoje, o Mercado de São Pedro é o mais popular do estado do Rio de Janeiro e por lá circulam mais de 5 mil pessoas por semana entre donas de casa e chefes de grandes restaurantes de Niterói e até  de outros Estados do país comprando o equivalente a 30 toneladas de peixes e frutos do mar. São 300 empregos diretos no mercado e é claro, hoje não mais abastecido pela colônia de pescadores local, a grande maioria vem da região dos lagos.

Interrompendo meu devaneio ouço uma voz lá no fundo.

- Senhor, senhor? Aqui esta e bom apetite.

            Minha família e eu caímos para dentro do linguado acompanhado de um delicioso molho de camarão.

            Realmente o doutor com formação em peixes tinha toda razão, foi um ótimo remédio. O peixe frito me deixou super bem disposto e contando as horas para semana passar bem rápido. Santo remédio!

QUE VENHAM OUTRAS SEXTAS-FEIRAS! E OUTROS SÁBADOS REGADOS DE PEIXE, É CLARO!

Texto publicado em 26 março de 2014 no Tafulhar.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Doando Um Tesouro

Eram 23 horas do dia 23 de junho quando o telefone do Recicla Leitores toca. E do outro lado da linha uma voz rouca, porem calma.
- Alô ? Gostaria de falar com a Victoria. Ela está?
- Sim, pois não? Aqui é o pai da Victoria e ela não está.
-É que eu comprei o jornal O São Gonçalo de hoje e veio uma reportagem de uma menina chamada Victoria que esta querendo criar uma biblioteca comunitária, então gostaria de falar com ela, pois tenho uma doação.
Matéria publicada no O São Gonçalo no dia 23/06/2014
- Então eu posso ajudar. Pois não?
- Sou um senhor de 71 anos e me impressionou muito a historia contada na matéria e gostaria de todo meu coração contribuir para o projeto dessa menina.
A principio pensei que o senhor fosse falar que tinha livros em suas estantes e gostaria de se desfazer deles para o projeto, mas aquela ligação, aquela hora, era muito mais preciosa do que uma biblioteca abarrotada de livros.
- Queria saber o endereço de vocês para que possa mandar pelo correio um poema de minha autoria que fala sobre a importância do livro na vida de uma pessoa.
Pausa na minha voz, por segundos fiquei mudo. Muita coisa passou naquele instante pela minha cabeça. Aquela hora da noite e aquela voz rouca desconhecida me pedindo o endereço. Será que aquela voz sem rosto e corpo falava a verdade?
Então, depois dessa pausa pequena, mas para mim uma eternidade, comecei a puxar papo antes de confirmar o endereço. Disse-me que se chamava Marco de Faria Luz, mora em Santa Rosa, Niterói e é um senhor de 71 anos que sofre com a solidão, mas adora escrever poemas e quando viu no jornal a menina que adorava livros e disseminava o habito da leitura lembrou de um poema que tinha feito no ano de 2003 que narra a importância do livro em abrir os olhos das pessoas para o mundo.
- Há tempos procuro alguém para passar esse meu poema, e a até hoje não via em ninguém a correta utilização destes versos. Mas hoje a sua filha me provou que é merecedora desse tal gesto.
Aquelas palavras foram como uma faca cortando-me o coração. Eu não tinha mais o que temer naquela mansa e rouca voz que já tinha um nome. O senhor Marco ganhou a minha confiança e o meu respeito. Antes de passar o endereço, fiz o meu ultimo questionamento.
- O senhor me permite que ao receber o seu poema eu compartilhe-o para todos os meus amigos e diga quanto foi importante o seu gesto?
Agora a pausa no telefone mudou de lado e se pudesse ver a imagem através daquele aparelho veria a alegria no olhar de Marco.
-É claro que pode, ficarei muito honrado com isso.

Então MARCO, estou aqui escrevendo o quanto você me deixou feliz naquela quase madrugada de segunda-feira e mais feliz ainda, hoje, quando peguei na portaria o envelope pardo escrito em letras garrafais onde dentro contem o verdadeiro tesouro que enriquece a humanidade.
Texto Publicado em 27  de junho de 2014 no Blog do Recicla Leitores 
Poema de Marco Luz

terça-feira, 21 de julho de 2015

O Artista e o Conhaque

Enquanto acompanhava o Identidade Cultural que rolava ontem no Amarelinho da Cinelândia sentado em uma mesa com a família e o amigo Ismael, vejo um senhor de cabeça branca, pés descalços e imundos, vestia uma bermuda surrada e uma camisa suja como se saísse de um carvoaria se acomodando ali no chão pertinho da gente. 

Levava com ele duas folhas de tamanho A3 que antes foram banner de algum anunciante. Sacou não sei de onde, já que não usava mochilas, um potinho plástico tipo tupperware com tintas de várias cores e um rolo de fio flexível onde com um alicate de bico fino colocava formas no arame com uma maestria fazendo surgir corações, palavras e o que mais ele quisesse. 

Acomodou uma das folhas no pé do poste de luz, logo vimos à belíssima paisagem pintada na folha, a outra com a face ainda branca deitou-a no chão da calçada. Dedos mergulhavam no tupperware procurando as cores e deslizavam no papel tomando forma e não demorou muito para saltar na tela a imagem do Morro do Corcovado ao longe e um coqueiro em primeiro plano. 

A pintura que nasceu de uma velha propaganda em A3 tomou forma digna de um grande artista. Vendo a beleza da pintura a reação de qualquer pessoa é um simpático sorriso para recompensar o artista. E foi assim a reação da minha esposa que recebeu em tom alto, tipo aqueles que acordam a vizinhança, e nitidamente embriagado, a resposta para aquele simpático sorriso. “- A senhora sorriu pra mim, e poucas pessoas sorriem pra mim. Vou lhe dar a pintura em troca a senhora me paga uma cachaça, alias já que não vendem cachaça, pode ser um conhaque mesmo. ” Levantei da cadeira e fui em direção ao artista na esperança dele baixar o tom de voz, até mesmo para não atrapalhar o evento que rolava, mas esse gesto só fez com que falasse ainda mais alto. “-Doutor, eu queria mesmo um whisky, mas pode me pagar um conhaque mesmo.” Colocando a gentileza na voz e com calma expliquei que arte dele valia muito mais do que uma doze de 6 reais de Dreher. “-Doutor, eu preciso MMMMUUUUIIIITTTTOOOO !!!!” Aquela última frase com a expressão sofrida de quem sobrevive um dia após o outro aprisionado pelo seu vício me fez render aquela situação e lhe pagar o maldito conhaque. Afinal, não sou eu quem digo, e sim a própria bebida , “ TÁ DURO? TOMA UM DREHER!”. Pois é, a vida daquele homem já está dura por demais e não era com bebida que ficaria melhor, mas antes que me recriminem, aquele gesto me aproximou daquele homem que disse se chamar Paulo. 

Paulo insistiu que eu levasse o quadro, e novamente expliquei –o que aquela pintura vale muito mais que uma dose de conhaque e ele poderia vende-la para comprar comida e até pagar um quarto para não dormir na rua. Ele me agradeceu aquelas palavras e insistiu que levasse pelo menos o seu trabalho com arame. Falei que tudo bem, aceitaria e pedi para minha filha escolher entre as peças a que ela mais gostasse. 

Claro que arte não se paga com conhaque, e ao ir embora saquei 15 reais da carteira e entreguei-o dizendo que era para valorizar o seu trabalho. E espero de coração que não a grana, mas sim o gesto faça com que aquele homem reconheça o seu potencial e não se troque por nenhuma bebida ou droga. E que tenha apenas sede pela ARTE. 

Texto Pulicado dia 3 de maio de 2013 no Blog do Vovozinho.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Abrem-se as Cortinas - João Caetano


Abrem-se as cortinas quase pálidas de tão desbotado que era aquele vermelho. Sem contar com os grandes remendos improvisados e a poeira que cuspia ácaro nos atores e na plateia. Vira e mexe interrompia-se a cena para acudir um pobre coitado que quase tinha um troço de tanto espirrar.

Mas em pé naquele tablado ripado simples, não muito alto, lá estava Romeu. Não era nada atlético, baixinho com a sua barriguinha saliente que lhe apertava a camisa listrada de veludo azul a ponto dos botões voarem na plateia em um respiro mais exagerado. Por baixo do chapéu em camurça verde com a tradicional pluma branca uma careca lisa e lustrada. Mas ridículo do que seu bigodinho era a voz irritante e a maneira que interpretava. Bem parecido com o Pato Donald rezando o terço. 

-“Meu coração amou antes de agora? Essa visão rejeita tal pensamento, pois nunca tinha eu visto a verdadeira beleza antes dessa noite.” 

Mais que de repente surge no palco numa corridinha desengonçada e barulhenta, por causa do tamanco de madeira, aquele negro bombado de 2 metros de altura em uma peruca de tranças loiras. 

-“Romeu, Romeu, onde estas tu, Romeu?”        

Inevitável eram as gargalhadas da plateia, mas estamos no Brasil do final do século XVIII e até mesmo a tragédia de William Shakespeare transforma-se na pior das comédias. Os teatros não tinham recursos e era muito comum  atores serem ex-escravos sem formação e quase não se via atrizes, já que o preconceito era imenso. Mulheres no palco eram consideradas prostitutas para sociedade. Piorou com o édito de D. Maria I que as proibiam de representar.

Esse cenário só foi modificado quando entrou em cena um itaboraiense que mudou o teatro nacional. João Caetano dos Santos nasceu em 27 de janeiro de 1808, quatro dias depois que o D. João VI e sua família pisava em solo brasileiro.

João Caetano dos Santos - Nasceu em Itaboraí

Bem jovem João Caetano dava seus primeiros passos como ator amador. Aos 23 anos interpretava como profissional a peça O Carpinteiro da Livônia no teatro da sua cidade natal. Hoje em sua homenagem chamado Teatro Municipal João Caetano na cidade de Itaboraí.

Dois anos depois da sua estréia como profissional João Caetano já ocupava o teatro de Niterói com a sua Companhia Nacional João Caetano, a primeira companhia nacional de teatro. Em sua homenagem hoje chamado Teatro Municipal João Caetano em Niterói.

Teatro Municipal João Caetano - Itaboraí

Teatro Municipal João Caetano - Niterói

Era imbatível na montagem de cenas de guerra, na época faziam bastante sucesso com a platéia.  Talvez o fato de ter servido na Guerra da Cisplatina como cadete tenha o ajudado a se destacar.

João Caetano criou um perfil para o ator brasileiro e se tornou um mito. Nunca um ator foi tão biografado. Lançou dois livros sobre a arte de representar que são referências de estudo até hoje. Reflexões Dramáticas de 1837 e Lições Dramáticas de 1862.

Sem dúvida sua maior conquista foi a concessão por dois contos de réis do teatro mais antigo do Rio de Janeiro. Inaugurado em 13 de outubro de 1813 com o nome de Real Theatro São João pelo próprio imperador D. João VI. Neste teatro foi assinada a primeira Constituição Brasileira. Mais tarde com o nome de Theatro São Pedro de Alcântara e em 1930, após sua reconstrução determinada pelo então prefeito Prado Junior, foi batizado como Teatro João Caetano.   

Teatro João Caetano na Praça Tiradentes - O mais antigo teatro do Rio de Janeiro - Em frente a escultura  representando  João Caetano interpretando "Oscar, o filho de Orssian" de autoria de  Francisco Manuel Chaves. A escultura teve seu punhal de bronze roubado em 2002 e foi recuperada em 2012 pelo escultor Edgar Duvivier.
Aos 52 anos João Caetano organizou no Rio de Janeiro uma escola de artes dramática onde todos podiam estudar. Um ensino totalmente gratuito. E para valorizar a nossa arte, promoveu a criação de um júri dramático para premiar a produção nacional.

No dia 24 de agosto de 1863, João Caetano saia de cena, mas a arte plantada por ele continua viva em todos os palcos do Brasil. Não é exagero falar que a arte cênica nacional deve muito a esse filho de Itaboraí. Basta perguntar a uma criança o que ela quer ser quando crescer. A maioria responderá com um sorriso, ator ou atriz.

No centro do tablado ripado o barrigudinho Romeu e a bombada Julieta de mãos dadas agradecem ao publico enquanto as cortinas vermelhas se fecham.

Publicado 16 de outubro de 2014 no Blog do Vovozinho.
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