Enquanto acompanhava o Identidade Cultural que rolava ontem no Amarelinho da Cinelândia sentado em uma mesa com a família e o amigo Ismael, vejo um senhor de cabeça branca, pés descalços e imundos, vestia uma bermuda surrada e uma camisa suja como se saísse de um carvoaria se acomodando ali no chão pertinho da gente.
Levava com ele duas folhas de tamanho A3 que antes foram banner de algum anunciante. Sacou não sei de onde, já que não usava mochilas, um potinho plástico tipo tupperware com tintas de várias cores e um rolo de fio flexível onde com um alicate de bico fino colocava formas no arame com uma maestria fazendo surgir corações, palavras e o que mais ele quisesse.
Acomodou uma das folhas no pé do poste de luz, logo vimos à belíssima paisagem pintada na folha, a outra com a face ainda branca deitou-a no chão da calçada. Dedos mergulhavam no tupperware procurando as cores e deslizavam no papel tomando forma e não demorou muito para saltar na tela a imagem do Morro do Corcovado ao longe e um coqueiro em primeiro plano.
A pintura que nasceu de uma velha propaganda em A3 tomou forma digna de um grande artista. Vendo a beleza da pintura a reação de qualquer pessoa é um simpático sorriso para recompensar o artista. E foi assim a reação da minha esposa que recebeu em tom alto, tipo aqueles que acordam a vizinhança, e nitidamente embriagado, a resposta para aquele simpático sorriso. “- A senhora sorriu pra mim, e poucas pessoas sorriem pra mim. Vou lhe dar a pintura em troca a senhora me paga uma cachaça, alias já que não vendem cachaça, pode ser um conhaque mesmo. ” Levantei da cadeira e fui em direção ao artista na esperança dele baixar o tom de voz, até mesmo para não atrapalhar o evento que rolava, mas esse gesto só fez com que falasse ainda mais alto. “-Doutor, eu queria mesmo um whisky, mas pode me pagar um conhaque mesmo.” Colocando a gentileza na voz e com calma expliquei que arte dele valia muito mais do que uma doze de 6 reais de Dreher. “-Doutor, eu preciso MMMMUUUUIIIITTTTOOOO !!!!” Aquela última frase com a expressão sofrida de quem sobrevive um dia após o outro aprisionado pelo seu vício me fez render aquela situação e lhe pagar o maldito conhaque. Afinal, não sou eu quem digo, e sim a própria bebida , “ TÁ DURO? TOMA UM DREHER!”. Pois é, a vida daquele homem já está dura por demais e não era com bebida que ficaria melhor, mas antes que me recriminem, aquele gesto me aproximou daquele homem que disse se chamar Paulo.
Paulo insistiu que eu levasse o quadro, e novamente expliquei –o que aquela pintura vale muito mais que uma dose de conhaque e ele poderia vende-la para comprar comida e até pagar um quarto para não dormir na rua. Ele me agradeceu aquelas palavras e insistiu que levasse pelo menos o seu trabalho com arame. Falei que tudo bem, aceitaria e pedi para minha filha escolher entre as peças a que ela mais gostasse.
Claro que arte não se paga com conhaque, e ao ir embora saquei 15 reais da carteira e entreguei-o dizendo que era para valorizar o seu trabalho. E espero de coração que não a grana, mas sim o gesto faça com que aquele homem reconheça o seu potencial e não se troque por nenhuma bebida ou droga. E que tenha apenas sede pela ARTE.
Texto Pulicado dia 3 de maio de 2013 no Blog do Vovozinho.
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