sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Índio quer apito Se não der, pau vai comer!

Manuel Fonseca - Bloco “Inocentes Canibais” diante do busto de Araribóia, na praça Araribóia, Carnaval de 1956. Coleção da Fundação de Arte de Niterói.
É meus amigos, chegou o carnaval. Vamos todos colocar aquela fantasia tão esperada guardada o ano todo e nos divertir assim como fazem os integrantes do bloco “Inocentes Canibais” (Nome bem sugestivo não acham? Todos prontos para comer gente, mas com o álibi da inocência. Se eu fosse um advogado diria que no mínimo um crime culposo, sem intenção de carcar) nesse espetacular registro de Manoel Fonseca no ano de 1956.

Você fica pensando. Assim é mole, pular o carnaval em 1956 é muito mais fácil. A vida era muito melhor, não tínhamos tantos problemas como de hoje. A saúde, a educação e o transporte eram mil maravilhas! Principalmente o transporte, tínhamos um transporte de qualidade com preços justos.  Peraí! Não era bem assim! O nosso amigo de bronze da foto sabe muito bem que por muito tempo os nossos transportes são péssimos e principalmente o  hidroviário, no qual foi testemunho que o bicho pegou ali pertinho dele. Talvez seja um trauma causado por esse acontecimento que o fez morar na frente da igreja São Lourenço dos Índios e esta lá até hoje rezando para que nossos governantes nos tratem com mais respeito.  

Nosso amigo da foto se estabeleceu mesmo na Praça Araribóia em 1914 após um movimento popular no ano anterior chamado Comissão Glorificadora a Araribóia liderado por um tal de Araribóia Cardoso que se dizia descendente do fundador de Niterói. Se o cara era ou não parente direto do famoso índio nunca vamos saber, mas aquele cara de barba espessa, casaco longo e cocar na cabeça surgiu com tudo no cenário político Niteroiense. A partir daí nosso amigo vivenciou as alegrias e as tristezas das pessoas que pegavam todos os dias as barcas para trabalhar. Até brincar o carnaval o nosso amigo brincou, esta ai a foto que não me deixa mentir.

  Barcas à vapor, sec XIX (1835) 

Bem antes em 1835 as barcas à vapor começavam a circulavam realizando o trajeto Rio – Niterói. A Sociedade de Navegação de Nictheroy operava com três barcas que trafegam de hora em hora com a capacidade de 250 passageiros de seis da manha até às seis da tarde. A Sociedade de Navegação de Nictheroy manteve-se soberana até meados do século quando a Companhia Inhomirim entra no circuito obtendo permissão para manter uma linha de transporte regular entre a Capital do Império e Niterói. Mas como diz o ditado popular “Onde Come Um Come Dois” as duas companhias entram num acordo  com o objetivo de contornar a disputa pela concorrência e fundam a Companhia Niterói – Inhomirim. Esse filme nós vemos até hoje, se chama monopólio. E assim a companhia passa a explorar não só o trajeto Rio – Niterói, mas todos os principais portos do fundo da baía. Mas a mais lucrativa é quando estabelece uma carreira para o bairro de botafogo. Na época o lugar de residências de famílias mais ricas. Botafogo passa a ser também o lugar mais procurado para os banhos de mar. Em 1858, a Niterói – Inhomirim já tem 9 barcas fazendo o trajeto Rio – Niterói.

Entra na história no mesmo ano, de 1858, um empresário chamado Cliton Von Tuyl que ganha outra concessão para operacionalização do transporte aquaviário na Guanabara, a mesma carreira  que Niterói- Inhomirim. Cliton não perde tempo e vende aos empresários americanos Thomas Ragney e W. F. Jones a concessão para estabelecimento de barcas à vapor do sistema Ferry. O capital internacional fez com que as barcas do sistema Ferry passassem por cima da concorrência e o mesmo trajeto era feito em menos tempo com mais velocidade e conforto. Isso foi fatal para sobrevivência da Companhia Niterói-Inhomirim que em 1865 suspendeu seus serviços. 
Estação Ferry na Praça XV, em seu aspecto original de 1862 

Mais uma vez vemos o monopólio do serviço aparecer e o céu era o limite para Companhia Ferry. Com o aumento do preço do serviço a companhia expandiu a sua lucratividade a ponto de em 1889 incorporar a Empresa de Obras Públicas do Brasil, dirigira por Manuel Buarque de Macedo, que já prestava serviços públicos em Niterói e São Gonçalo. E assim surgia a Companhia Cantareira & Viação Fluminense.

A Companhia Cantareira era só expansão até o ano de 1908 quando sofre uma nova reestruturação e passa a ser financiada diretamente pela Leopoldina Railway, que monopolizaria não só o transporte de passageiros na Baia de Guanabara como a provisão de infraestrutura física na chamada Orla Oriental da Baia. Só que a companhia não contava com o crescimento de passageiros a partir do crescimento das duas cidades tanto Niterói que segundo o recenseamento de 1920 contava com 86.238 habitantes e sua vizinha São Gonçalo que crescia meteoricamente com 47.019 habitantes segundo a mesma fonte.   O reflexo disso não poderia ser outro senão o descontentamento dos usuários do transporte e em dezembro de 1925 é registrado a primeira das diversas ondas de conflitos da história do transporte aquaviário no Rio de Janeiro. Insatisfeita com o aumento das tarifas das barcas Rio – Niterói a população inicia uma série de depredações às estações “Niterói” e “Gragoatá” e em 1928 devido ao mau funcionamento e atraso de várias barcas ocorre outro episódio de indignação popular e várias barcas e da estação Cantareira são quebradas.

Lembrando que o nosso amigo de bronze, o índio, já fazia guarita ali na praça Araribóia e  observava tudo sem mover uma palha, sem reação, mas também o que ele poderia fazer? Era apenas um busto, ele até tentou o diálogo com os manifestantes, mas no calor do momento ninguém lhe deu a menor pelota.  


Essas manifestações foram pintos perto do que o nosso amigo passou 30 anos depois, essa os deixaram com seus cabelos metálicos em pé. Pela proporção da revolta pensou até que fosse seu fim. Mas nosso amigo manteve a calma, fechou os olhos e rezou para Nossa Senhora dos índios até tudo se acalmar. Foi a chamada “Revolta das Barcas”. 

Estação das barcas, Frota Barreto S.A., Centro, Niterói, A/D.

A concessão era da Frota Barreto S.A que já possuíam barcas que faziam o trajeto em 20 minutos, mas os problemas eram os mesmos de 30 anos. Filas de passageiros cada vez maiores, atrasos constantes nos horários das barcas e insatisfação por parte dos funcionários. No dia 18 de fevereiro de 1969 o dono da Companhia de Navegação Frota Barreto ameaça paralisar as barcas caso não haja o aumento da tarifa ou um maior subsídio do governo. Como o governo nem estava nem ai para as revindicações da empresa em seis de março do mesmo ano o Grupo retira algumas barcas de circulação com o objetivo de pressionar o governo. Para complicar cinco sindicatos de trabalhadores do transporte aquaviário ameaçam entrar em greve. E o Grupo não pagava os salários de março alegando não ter verba. Em 22 de maio de 1959 o tráfego da baía é paralisado devido à greve dos marítimos já que o grupo se recusou a pagar o aumento salarial decretado pelo governo.


Imagine vocês como deve ter sido o sofrimento dos passageiros que esperavam as barcas para ir ao trabalho ou até mesmo voltar para sua casa. O problema fica infinitamente maior quando se pensarmos que na época era o único meio de transporte, hoje simplesmente pegaríamos o 100 e soltaríamos no terminal. Naquela época não existia a ponte que foi inaugurada apenas em 1974.  



Com a greve as estações das barcas amanhecem ocupadas por policias e fuzileiros navais. Essa proteção foi insuficiente e causou mais revolta na multidão de mais de 3 mil pessoas que transpuseram a linha de fogo dos fuzileiros que atiraram com suas metralhadoras para cima da multidão. Mesmo assim invadem as estações das barcas de Niterói ateando fogo, apedrejando e destruindo toda a sua estrutura.

Busto do Araribóia na Igreja São Lourenço dos Índios 
Bom, estamos em 2014 muita coisa se passou e  nosso amigo de bronze já não mora mais ali na Praça Araribóia, se mudou para Igreja São Lourenço dos Índios, e na comemoração do IV centenário de fundação da cidade. Em 1973, o busto do Araribóia foi substituído por um maior e com cara de brabo com os braços cruzados como se tivesse pronto para proteger a cidade ou seria a estação? Sei lá, o mais importante disso tudo que hoje a concessão para o transporte hidroviário esta nas mãos da empresa CCR e nós usuários continuamos brigando pelos mesmos motivos que levaram à revolta.      
  
Quer saber de uma coisa? Esqueça tudo, coloque sua fantasia e vá pular o carnaval. Já passamos por 55 carnavais e não mudamos nada e vai ser mais um que continuaremos como o índio da Praça Araribóia. DE BRAÇOS CRUZADOS. 



Texto publicado em 28/02/2014 acesse no www.tafulhar.com.br



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